Plano Safra 2025/2026: R$ 605,2 bilhões com desafios pela frente
Os últimos dois dias marcaram um momento histórico para o agronegócio brasileiro. Na segunda-feira (30 de junho), o governo federal anunciou R$ 89 bilhões para a agricultura familiar; hoje (1º de julho), completou o ciclo com R$ 516,2 bilhões para a agricultura empresarial. Somados, os R$ 605,2 bilhões do Plano Safra 2025/2026 representam o maior programa de crédito rural da história do país. Contudo, por trás dos números recordes, emergem questões cruciais sobre juros mais altos, menor poder de compra real e críticas contundentes das entidades do setor produtivo.
Plano Safra da Agricultura Familiar: Mantendo o essencial
Recursos e distribuição
O Plano Safra da Agricultura Familiar 2025/2026, lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto na segunda-feira (30), destina R$ 78,2 bilhões ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), crescimento de 2,89% em relação aos R$ 76 bilhões da safra passada, segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
Somando todas as políticas públicas voltadas ao setor – compras públicas, seguro agrícola, assistência técnica e garantia de preço mínimo –, o total chega a R$ 89 bilhões. Do montante do Pronaf, R$ 43,4 bilhões serão com juros equalizados (subvenção direta do Tesouro Nacional), divididos em R$ 40,2 bilhões para custeio e R$ 37,9 bilhões para investimentos.
Taxas de juros estratégicas
O grande destaque foi a manutenção dos juros de 3% ao ano para financiar a produção de alimentos da cesta básica, como arroz, feijão, mandioca, frutas, verduras, ovos e leite. Para cultivos orgânicos ou agroecológicos, a taxa permanece em 2% ao ano. Considerando que a taxa Selic está em 15%, isso representa crédito com custo real negativo, conforme destacou o presidente durante o evento.
No entanto, as demais linhas sofreram aumentos. As taxas do Pronaf agora variam de 0,5% a 8% ao ano (anteriormente chegavam no máximo a 6%). Commodities produzidas por agricultores familiares, como soja e pecuária de corte, passaram de 6% para 8% nos juros.
Principais novidades
Entre as novidades do programa estão:
- Ampliação do limite para máquinas e equipamentos menores: de R$ 50 mil para R$ 100 mil, mantendo juros de 2,5%
- Microcrédito para quintais produtivos: linha específica para mulheres rurais, com limite de R$ 20 mil, juros de 0,5% e bônus de adimplência de até 40%
- Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara): decreto assinado pelo presidente para incentivar práticas agrícolas mais sustentáveis
- Nova linha para cooperativas: formadas por assentados, indígenas e quilombolas, com limite de R$ 1 milhão por cooperativa
Agricultura Empresarial: Números grandes, crescimento modesto
Volume de recursos
O Plano Safra da Agricultura Empresarial, anunciado hoje pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), destina R$ 516,2 bilhões, representando crescimento nominal de 1,5% em relação aos R$ 508,6 bilhões da safra anterior. Porém, descontada a inflação de 5,32% no período, o crescimento é negativo em termos reais.
Do montante total, R$ 414,7 bilhões serão destinados ao custeio e comercialização (crescimento de 3,34%), enquanto R$ 101,5 bilhões irão para investimentos (redução de 5,41%). O Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp) recebeu R$ 69,1 bilhões, alta de 5,98%.
Impacto dos juros altos
Com a taxa Selic em 15% – o maior patamar desde 2006 –, as taxas de juros do Plano Safra subiram entre 1,5 e 2 pontos percentuais, variando agora de 8,5% a 14% ao ano, conforme informações da CNN Brasil (1 jul 2025). O Pronamp teve aumento significativo: de 8% para 10% nos juros para custeio. Para investimentos, as taxas variam entre 8,5% e 13,5%.
Declarações do ministro Fávaro
Durante a cerimônia, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, fez críticas diretas ao Banco Central. “Não consigo compreender, onde nós temos uma inflação controlada, os gastos públicos completamente controlados, a renda da população crescendo, o desemprego caindo e uma Selic de 15%”, afirmou em entrevista ao Agro Estadão (1 jul 2025).
Fávaro chegou a admitir que “duvidou da viabilidade do Plano Safra” diante do cenário de juros altos, mas destacou que o governo “absorveu” parte do impacto da Selic elevada através da equalização. “Tínhamos uma Selic de 10,5% ao ano e hoje está em 15%. São 4,5 pontos percentuais a mais que no Plano Safra passado. O governo absorveu o aumento da Selic com equalização”, declarou ao Canal Rural (1 jul 2025).
Novidades e mudanças estruturais
Flexibilização e ampliação
Entre as principais novidades estão:
- Autorização para financiamento de rações, suplementos e medicamentos adquiridos até 180 dias antes da formalização do crédito
- Ampliação do Programa de Construção e Ampliação de Armazéns (PCA): limite de capacidade por projeto passou de 6 mil para 12 mil toneladas
- Unificação dos programas ModerAgro e InovAgro para simplificar o acesso ao crédito
- Exigência do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) para crédito de custeio
- Ampliação do limite de renda para enquadramento no Pronamp: de R$ 3 milhões para R$ 3,5 milhões por ano
Participação das CPRs
O plano mantém a estratégia de incluir Cédulas de Produto Rural (CPRs) lastreadas em Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) no montante total. Estima-se que até R$ 212 bilhões venham dessa fonte, segundo o Poder360 (1 jul 2025), reduzindo a dependência de recursos equalizados pelo Tesouro.
Reações críticas do setor produtivo
Confederação da agricultura e pecuária (CNA)
Bruno Lucchi, diretor técnico da CNA, foi contundente: “O Plano Safra 25/26 não responde à altura à importância estratégica que a agricultura tem no Brasil. Os valores anunciados ficaram bem abaixo da inflação”, declarou à Globo Rural (1 jul 2025). Considerando a inflação de 5,32% no período, o crescimento real é negativo.
Frente parlamentar da agropecuária (FPA)
O deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da FPA, criticou duramente os números. “O valor destinado à equalização de juros, de R$ 13,5 bilhões, representa queda de 17,5% em relação à safra anterior”, afirmou em coletiva segundo o Agro Estadão (1 jul 2025). Ele destacou que o Plano Safra anterior entregou apenas 70% dos recursos prometidos.
Lupion alertou que a combinação de descontrole fiscal e alta dos juros deve elevar em R$ 58 bilhões os custos do produtor rural na próxima safra, segundo a AgriMídia (1 jul 2025).
Associação dos produtores de soja de Mato Grosso (Aprosoja-MT)
Lucas Beber, presidente da Aprosoja-MT, apontou que “nominalmente, o Plano Safra perde 17% em seu tamanho em relação ao ano passado” quando se considera que R$ 185 bilhões são CPRs não controladas, conforme o Agro Estadão (1 jul 2025). A entidade também criticou o baixo volume para armazenagem: pediu R$ 9 bilhões com juros subsidiados, mas recebeu apenas R$ 3,7 bilhões com juros mais altos.
Ausência do seguro rural
Uma das principais críticas refere-se à ausência de previsão específica para o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR). O deputado Alceu Moreira (MDB-RS) lamentou: “O que mais nos interessava era a questão do seguro. Principalmente nós que estamos no Rio Grande do Sul”, disse ao Agro Estadão (1 jul 2025).
O governo cortou R$ 450 milhões do seguro rural na safra atual, deixando recursos suficientes apenas para a safra de inverno de 2025.
Impacto nos fabricantes de máquinas agrícolas
Preocupação com o moderfrota
O deputado Sérgio Souza (MDB-PR) alertou para os juros elevados no Moderfrota, voltado à aquisição de máquinas agrícolas: “Uma taxa de 13,5% para o Moderfrota. Você imagina as feiras agropecuárias chegando agora, com taxa de 13,5% para o produtor rural, é algo que não vai caber no bolso”, afirmou ao Agro Estadão (1 jul 2025).
Para médios produtores, o governo prevê oferta de R$ 3,08 bilhões no Moderfrota, com juros de 12,5% ao ano – ante 10,5% em 2024/25, conforme a Globo Rural (1 jul 2025).
Sustentabilidade e incentivos ambientais
O programa mantém a política de desconto de até 1 ponto percentual nas taxas de juros para produtores que comprovem a adoção de boas práticas ambientais. O governo prorrogou para o período de 1º de julho de 2025 a 30 de junho de 2026 a aplicação do desconto de 0,5 ponto percentual na taxa de juros das operações de crédito rural de custeio, segundo a Agência Brasil (1 jul 2025).
O crédito de custeio também poderá financiar culturas de cobertura e reflorestamento, valorizando iniciativas de preservação ambiental.
Perspectivas dos especialistas
Análise do FGV Agro
Felippe Serigati, pesquisador do FGV Agro, foi direto em análise à CNN Brasil (1 jul 2025): “Em termos reais, o volume é menor e as taxas de juros são mais altas. Ou seja, menos recursos e mais caros. Por trás disso, temos uma restrição fiscal bem complicada e uma Selic que deve permanecer elevada por muito tempo”.
Cautela das entidades
João Prieto, coordenador do Ramo Agropecuário da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), demonstrou cautela: “Havia uma expectativa de um valor maior. Vamos avaliar quanto desse recurso está atrelado às taxas equalizadas para vermos se as taxas atendem efetivamente à agricultura familiar”, disse ao Canal Rural (30 jun 2025).
Comparação com demandas do setor
Em abril de 2025, a CNA havia solicitado R$ 594 bilhões em recursos totais, com R$ 390 bilhões para custeio e comercialização e R$ 101 bilhões para investimentos. Os valores finais ficaram próximos ao solicitado em volume total, mas as taxas de juros mais altas geraram preocupação sobre a viabilidade econômica dos projetos.
A FPA apresentou proposta de R$ 599 bilhões e pediu aumento do Programa de Seguro Rural de R$ 1 bilhão para R$ 6 bilhões, segundo o Poder360 (1 jul 2025).
Contexto macroeconômico
O Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a Selic para 15% em junho, prevendo manutenção desse patamar por período prolongado. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, destacou o esforço para manter o programa robusto mesmo em um cenário de alta pressão fiscal, com orçamento para equalização de juros limitado a cerca de R$ 1,3 bilhão para o período de julho a dezembro de 2025.
Conclusão
O Plano Safra 2025/2026 representa um marco histórico em volume nominal de recursos, mas traz consigo os maiores desafios dos últimos anos. A manutenção de juros de 3% para alimentos básicos da agricultura familiar foi uma vitória importante para a segurança alimentar, mas os juros de até 14% para grandes produtores e 13,5% para máquinas agrícolas preocupam o setor.
As críticas das entidades refletem uma realidade incontornável: embora os números sejam recordes nominalmente, o poder de compra real diminuiu e as condições de acesso se tornaram mais restritivas. A redução de 5,41% nos recursos para investimentos sinaliza cautela do próprio governo diante dos juros altos.
Para o agronegócio brasileiro, o grande teste será a execução efetiva dos recursos. O histórico de diferenças entre anúncio e liberação, como os 70% executados em 2024 contra 100% anunciados, é um alerta para acompanhamento rigoroso. A ausência do seguro rural é particularmente preocupante para estados como Rio Grande do Sul, ainda se recuperando das enchentes.
O segundo semestre será decisivo para avaliar se os R$ 605,2 bilhões anunciados chegam efetivamente ao campo e se as condições permitirão manter a competitividade do agronegócio brasileiro. Com a Selic em 15% e pressões fiscais crescentes, produtores e fabricantes de máquinas precisarão ser ainda mais eficientes para navegar neste ambiente desafiador, mas o agronegócio brasileiro segue demonstrando sua capacidade de adaptação e crescimento mesmo em cenários adversos.
Publicar comentário